Estamos de mudanca, aqui perto mesmo, a bagunca e de arrepiar, como temos tralhas.
Outras tantas vidas
Vive dentro de mim
uma benzedeira velha
que tira mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
sopra brasa,
benze quebranto.
Reza prá Oxum.
Iansã, Orixá.
São Benedito, Maria...
e Buda.
Vive dentro de mim
a lavadeira,
e também
a passadeira.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Ferro quente,
blusa engomada.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Muqueca de peixe,
pirão e farofa.
Aroma de temperos,
ervas finas, e
na cumbuca,
mistura de alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim,
um projeto
de elegância
salto alto,
nariz empinado,
unhas pintadas,
óculos escuros,
colar de pérolas
vestido preto e
cabelos penteados.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
uma intelecutal
e seus livros.
Seu discurso refinado,
seu olhar aguçado,
seu amor abandonado,
suas lembranças
do passado.
Vive dentro de mim,
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida
- a vida mera de todas elas!
Cora Coralina
Somos muitas, somos muito.
Meu beijo a todas nos, mulheres maravilhosas e batalhadoras.
Fazer tchbum
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