Foto de Grace Olsson
...Ele morreu de frio e será cremado hoje. Era jovem, idealista. Mas se embriagou com a Natureza.
Poderia estar entre nós se não tivesse dispensado seu guia, se tivesse consciência da fragilidade humana, se tivesse levado uma bússola, se contasse com o imponderável, se seguisse as regras que aprendeu em anos e anos de escaladas e trilhas.
Gabriel dispensou o kit básico que garantiria sua volta com vida para o Brasil no fim de julho.
Subiu o Monte Mulanje, um pico de 3 mil metros, com uma câmera e um cajado. O tempo fechou de repente (foto).
A morte de Gabriel Buchmann, 28 anos, nas montanhas do Malauí, depois de uma viagem de mais de um ano por 26 países na África, me tocou pessoalmente.
Não o conhecia, mas tenho um filho de 27 anos que olha o mundo da maneira que Gabriel olhava.
Com desejo de melhorar o meio ambiente e contribuir para que o futuro seja menos injusto socialmente. “Eu o chamava de capitão”, diz Pedro Flores, engenheiro, amigo de Gabriel, companheiro de trilhas. “Além de ser um agregador, um inspirador, Gabriel tinha desenvolvido um lado espiritual, que se expressava também na comunhão com a Natureza.
Ele parava para meditar. Quando acampávamos, dormia fora da barraca, na rede, caminhava de pé no chão. Gabriel e nós todos sempre acreditamos na energia que vem da terra, do mar, das árvores, das montanhas. Seus aniversários eram luaus na praia.
Como um marinheiro morre no mar, Gabriel se foi fazendo o que mais gostava na vida: descobrindo outros lugares, outros povos, outras maneiras de viver”...
... Conversei com uma fotógrafa brasileira, Grace Olsson (autora da foto acima), que vive na Suécia, tem um livro sobre refugiados no Moçambique, e conhece 47 países na África. Seu depoimento:
“A neblina cobre tudo quando muda o tempo ali. Ruas, vales, montes, montanhas, não dá para ver nem as copas das árvores.
Um guia teria feito diferença para Gabriel porque ele sempre conhece as saídas estratégicas. Vários turistas já desapareceram nesse monte misterioso.
As tribos do Malauí estão cansadas de acionar os deuses africanos em favor dos desaparecidos.
Fui ao Malauí no ano passado e, à tarde, relampejou tanto embaixo desse monte que eu me tranquei no quarto e rezei, pedindo a Deus que o mundo não se acabasse naquele dia.
As nuvens ficaram cor de chumbo”.
Gabriel dispensou o guia na última hora, para que ele buscasse sua mala no último acampamento.
O tempo estava bom, a Natureza não o trairia. Gabriel era um montanhista experiente, já tinha ido ao Everest e ao Kilimanjaro.
A sete horas de distancia do pico do Mulanje, ele resolveu seguir a trilha sozinho.
Um grupo que descia o aconselhou a não prosseguir porque escurecia. Em chichewa, a língua local, Saptiwa (o nome do pico) significa “não vá lá”.
Era sua despedida do continente africano. Gabriel não queria ir embora sem chegar ao pico do Mulanje. E chegou.
Ruth de Aquino
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